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Teresina, Piauí, Brazil
Associação dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí - Casa do Cantador. Fundada em 15 de outubro 1977. Espaço de relevância cultural no Piauí que funciona como Centro de Pesquisa e de apoio a violeiros e poetas populares de vários lugares do Brasil. Localizada na Rua Lúcia, 1419, Bairro Vermelha, Teresina - Piauí - Telefone: (86) 3211-6833 E-mail: casadocantadordopiaui@hotmail.com

segunda-feira, abril 16

OS GÊNIOS NÃO MORREM por Pedro Ribeiro

Os arquivos do repente brasileiro guardam verdadeiras preciosidades que o tempo não apaga nem a memória esquece.
Temos mostrado a evolução do repente em face do natural avanço da tecnologia capaz de influenciar a Filosofia  e a Literatura.
Dos fenômenos que promoveram uma verdadeira transformação na natureza interna do repente, em forma e conteúdo, a urbanização da cantoria foi quem produziu as maiores modificações.
Seja como for, é importante observar que, apesar da linguagem mais apurada e correta, os velhos improvisadores do passado não podem, nem devem, ser esquecidos pelo talento de suas estrofes, cuja essência, oferece-nos verdadeiras obras de arte.
As glosas sempre foram da preferência dos violeiros. Formam uma parelha que, atualmente, é colocada ao final da décima, constituindo-se no 9º e 10º versos.
No passado não havia essa sistemática; os versos da glosa podiam ser intercalados no corpo da instância, desde que o último verso completasse a estrofe.
Vejamos alguns exemplos do imortal repentista Luis Dantas Quesado:

“Onde está Luis Dantas
Só se fazendo um de barro”.

Tomara achar quem garanta
A vinda da Monarquia,
E possa haver alegria
Onde não está Luis Dantas…
Ele diz que: quando canta,
Sente na goela um pigarro;
Deixou de fumar cigarro
Porque vivia doente…
Pra não perder-se a semente,
Só se fazendo um de barro.

É oportuno mostrar como a linguagem dos violeiros mudou com a urbanização da cantoria. A linguagem e os assuntos usados por um Ivanildo Vila Nova, Sebastião Dias e um Moacir Laurentino estão bastante diferenciados dos vates do passado.
Todavia, não podemos esquecer nem menosprezar o talento e a genialidade de Luis Dantas Quesado.
Vejam nas estrofes seguintes como Luis Dantas, com linguagem simples e vocabulário do sertão improvisa a glosa:

“Nem todo pau dá esteio”


Nem todo pássaro voa,
Nem todo inseto é besouro,
Nem todo judeu é mouro,
Nem todo pau dá canoa;
Nem toda notícia é boa,
Nem tudo que vejo eu creio,
Nem todos zelam o alheio,
Nem toda medida é reta,
Nem todo homem é poeta,
Nem todo pau dá esteio.

Nem toda água é corrente,
Nem todo adoçado é mel,
Nem tudo que amarga é fel,
Nem todo dia é sol quente;
Nem todo cabra é valente,
Nem toda roda tem veio,
Nem todo matuto é feio,
Nem todo mato é floresta,
Nem todo bonito presta,
Nem todo pau dá esteio.

Nem todo pau dá resina,
Nem toda quentura é fogo,
Nem todo brinquedo é jogo,
Nem toda vaca é leiteira;
Nem toda moça é faceira,
Nem todo golpe é em cheio,
Nem todos os livros eu leio,
Nem todo trilho é estrada,
Nem toda gente me agrada
Nem todo pau dá esteio.

Nem todo estronde é trovão,
Nem todo vivente fala,
Nem tudo que fura é bala,
Nem todo rico é barão;
Nem todo azedo é limão,
Nem todos pagam “bloqueio”,
Nem todas às noites ceio,
Nem todo vinho é de uva,
Nem toda nuvem traz chuva,
Nem todo pau dá esteio.

Nem todo preto é carvão,
Nem todo azul é anil,
Nem toda terra é Brasil,
Nem toda gente é cristão;
Nem todo índio é pagão,
Nem toda agência é correio,
Nem toda “viaje” é passeio,
Nem todos prezam bom nome,
Nem toda fruta se come,
Nem todo pau dá esteio.

Nem todo lente é sabido,
Nem tudo que é branco é leite,
Nem todo óleo é azeite,
Nem todo rogo é ouvido;
Nem todo pleito é vencido,
Nem todos vão ao sorteio,
Nem todo sítio é recreio,
Nem toda massa é de trigo,
Nem todo amigo é amigo,
Nem todo pau dá esteio.

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