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segunda-feira, outubro 24

O GÊNIO DE CANCÃO – 23/10/2011 - Pedro Ribeiro


Dos poetas populares que tive o ensejo de lê-lo, o que mais me impressionou foi, inegavelmente, o gênio apelidado de “Cancão”.
 
Estilo suave, vocabulário acima de sua formação escolar, “Cancão” brincava com as rimas, produzindo verdadeiras obras de arte.

Seus versos têm o sabor do mel virgem das corolas, o encanto das noites enluaradas, a musicalidade das cascatas e a força das correntezas cortando o solo duro das serras para galgar as campinas e deslizarem enfeitando a natureza.

Estilo inconfundível e imagens que encantam aos que se deleitam nas leituras de suas estrofes encantadoras que a arte não permite reproduzi-las.

O gênio de “Cancão” é próprio e impar. Apreciar suas estrofes é se relacionar com a beleza da arte na formatação da estética própria dos deuses.

Oferecemos aos nossos leitores a oportunidade de desfrutarem do talento do gênio que permanece sem repetição.

Poema “Dois Coqueiros”:


Testemunhas seculares
Do outro lado do rio
Rumor das brisas lunares
Nas calmas noites de estio,
Foram vigias das feras
Venceram eras e eras
Se tornaram centenários,
Os seus bulícios tristonhos
Tinham a doçura dos sonhos
De mil poemas lendários.

Com prazeres recebiam
O pequeno rouxinol
Eram os primeiros que viam
A face alegre do sol,
Sentiram das mesmas mágoas
Beberam das mesmas águas
Queimados do mesmo pó,
Colheram o mesmo sereno
Viveram num só terreno
Nasceram num dia só.

Com todo viço aumentaram
As duas plantas vizinhas
Em pouco tempo chegaram
Ao mundo das andorinhas
Neve, chuva e cerração,
Frio, sereno e verão
Nada disso os atingiram,
Vencedores das idades
Nem as próprias tempestades
Tempo algum lhes aluíram.

As aragens perpassavam
Brandas ou mais violentas
Eles, os dois conversavam,
Numas frases barulhentas
Receberam temporais
Deslocamentos fatais
Por brusco arrojo dos ventos,
Viveram nestes combates
Lutando contra os embates
Da força dos elementos.

Assim aqueles coqueiros
Cheios de viço e enganos
Se tornaram dois guerreiros
Foram lutar contra os anos,
Um e outro em homenagem
Nas bafagens da aragem
Estendia a palha sua
Cada fronde verde e bela
Conservava uma parcela
Da luz serena da lua.

Suas palhas sussurrantes
Continham graça e beleza
Dois monstruosos gigantes
Criados da natureza,
Desde a fronde às raízes
Todas suas cicatrizes
Foram profundas feridas
Cada uma marca uma história
Uma medalha, uma glória,
De cem batalhas vencidas.

Em certos dias marcados
Choveu torrencialmente
Foram os dois abraçados
Por poderosa corrente,
Um rodava, outro pendia
A água se remexia
Numa fúria de dragão,
O mais fraco já vencido
Num arrojo desmedido
Caiu sem ter salvação.

Ficou o outro coqueiro
Em meio da corrente em pé
Como se fosse um guerreiro
Sem esperança e sem fé,
Se balançava, tremia,
Tombava, depois erguia,
Entre o furor do perigo,
Ia morrer se dispunha
Como a maior testemunha
Da morte do seu amigo.

No horroroso fragor
Já se mostrava pendido
Sentiu faltar-lhe o vigor
Foi ficando esmorecido,
E a água em borbotão
Fazia revolução
Da superfície à areia
Caiu no mesmo momento
Ao impulso violento
Das sacudidas da cheia.

As grandes vagas caudais
Desciam ligeiramente,
Sem ter resistência mais
Se lançou sobre a corrente,
O aguaceiro o levou
Junto do outro deixou
Por um ligeiro desvio
Ficaram os dois encostados
Os quais estão sepultados
Do outro lado do rio.

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