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Teresina, Piauí, Brazil
Associação dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí - Casa do Cantador. Fundada em 15 de outubro 1977. Espaço de relevância cultural no Piauí que funciona como Centro de Pesquisa e de apoio a violeiros e poetas populares de vários lugares do Brasil. Localizada na Rua Lúcia, 1419, Bairro Vermelha, Teresina - Piauí - Telefone: (86) 3211-6833 E-mail: casadocantadordopiaui@hotmail.com

sexta-feira, maio 25

DOIS GIGANTES EM DUELO por Pedro Ribeiro

O repentista é o indomável e autêntico poeta do sertão. A poesia popular que muitos desconhecem seu valor e complexidade em sua feitura é a mais genuína manifestação da alma sertaneja.
Escrita ou improvisada, a poesia popular obedece a mais rigorosa métrica, sendo desde os primórdios a nosso dias, elaborada com rigor e perfeição. Daí porque alguns preferem a poesia moderna que não exige, nem rima, nem métrica e, observam, pura e simplesmente, o assunto.
Não a desvalorizamos como fazem muitos que desqualificam e menosprezam a poesia popular, rica em mensagem e métrica que a torna mais bela e mais atraente.
Vejamos um encontro com dois dos maiores repentistas da atualidade: Ivanildo Vila Nova e Severino Feitosa, os quais já estiveram diversas vezes no festival de Teresina. Apreciemos o encontro de ambos:

 SF.-    Se é de grande cidade
Criou-se em outro ambiente,
Talvez não botou a sela
Num burro novo e valente,
Que dá mordida na brida
Pensando que é na gente.

IVN.-    Não precisei de lição,
De cópia nem de ditado,
Aprendi olhando o pássaro,
O céu, a floresta, o gado,
Entrei lá analfabeto
E saí de lá formado.

SF.-    Você em Caruaru
Se criou sem alvoroço,
Talvez que nunca apanhou
Água gelada num poço,
Sentindo o pau do galão
Machucando o seu pescoço.

A criação de novos estilos de cantoria ocorre a cada instante, especialmente, com a utilização de motes. Vejamos como os preliantes se batem no estilo – Rojão Quente – oriundo do mote: Comigo o rojão é quente / Canta quem souber cantar.

IVN.-    Antes que apareça mote,
Poema, rojão e glosa,
Eu quero ver se Feitosa
Aguenta também meu trote,
Saber se seu holofote
Tem claridade estrelar
E dá água no seu mar
E cabe meu barco potente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

SF.-    Não gosto de exageros,
Não tenho sangue de persa,
Muito menos de conversa
De qualquer um bagunceiro,
Não quero que o companheiro
Venha me desafiar,
Eu aqui neste lugar
Só tenho amigo e parente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

IVN.-    Sua voz é de tenor
E sua presença é de artista,
Você como repentista
Pode até ter um valor,
E com outro cantador
Você pode até triunfar,
Mas é bom se incomodar
Quando me vê pela frente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

SF.-    Se você possui cuidado
No papel de cantador,
E se acaso o colega for
Hoje decepcionado,
Regresse pra seu estado,
Pode até se preparar,
E quando um pouco decorar,
Venha que estou novamente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

IVN.-    Eu devia cobrar taxa
E além de taxa o juro,
Pra cantador sem futuro
Que comigo se esborracha
Pois hoje aqui você acha
Um santo pra seu altar,
Água pra seu alguidar
E vinho pra sua corrente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

SF.-     Você teve algum cartaz
Naquele tempo passado,
Mas foi desclassificado
Em diversos festivais,
Hoje em dia está pra trás
Que nem sabe mais falar,
Antes era titular
E hoje é reserva somente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

IVN.-    Mas eu achei que seu dito
Foi muito mal empregado,
Só fui desclassificado
Em São José do Egito,
Mas não me deixou aflito
Nem me tomaram o lugar,
Não digo que foi azar
Pois foi marcação somente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

SF.-    Eu que tenho poesia
Pra cantar a vida inteira,
Porque a minha bandeira
Desfraldada é mais sadia,
E tenho em minha companhia
Jesus pra me ajudar
E você para escapar
Não vai dizer que é gente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

sexta-feira, maio 18

ANJOS DA VIDA por Pedro Ribeiro

A semana de 12 a 20 de maio é consagrada às comemorações da Enfermagem. Uma categoria que presta os mais relevantes serviços à humanidade em qualquer lugar do mundo.
A enfermagem tem a responsabilidade de cuidar dos doentes. Em seu trabalho diário dedica seus conhecimentos e amor para salvar os pacientes sob suas responsabilidades.
Às mais das vezes, os profissionais da saúde são agredidos e humilhados por acompanhantes que não compreendem o esforço de quem dá tudo de si para salvar vidas.
Já estive hospitalizado e testemunhei a dedicação desses anjos da vida. Na semana em que se comemora a ENFERMAGEM dedico-lhes esse poema que escrevi com as lágrimas dos olhos e o amor do coração.

Os anjos foram criados
Para proteção da vida
E são por Deus consagrados
Para uma luta renhida
Expressão maior do amor
Enviados do Senhor
Como fonte de esperança
Para construir a paz
No seu trabalho capaz
De transmitir confiança.

À noite quando dormimos
Eles fazem proteção
Sua presença sentimos
Com grande dedicação
Quando num leito de dor
Nos tratam com muito amor
Na batalha contra a morte
Num esforço gigantesco
Sorriso camaradesco
Como quem oferta a sorte.

Mesmo na hora da morte
Eles prometem a vida
O remédio é o suporte
Numa expressão tão querida
Passam noites acordados
De vez em quando chamados
Para nos vir socorrer
Troca soro, traz remédio
É Deus por seu intermédio
Que até nos faz reviver.

Ao procuramos o médico
Ficamos preocupados
Não sabemos a doença
Ou se seremos curados
Em um leito de hospital
Às vezes, passando mal,
Só nos resta a enfermagem
Que com amor e carinho
Nunca nos deixa sozinho
Num trabalho de coragem.

Com muita dedicação
No seu trabalho diário
Muitos passam precisão
Por ser miséria o salário
Pra sustentar a família
Passam noites em vigília
E nem são compreendidos
Nem a mensagem que trazem
Pelo trabalho que fazem
Pra nos fazer assistidos.

O jaleco que os cobrem
Traz a brancura da paz
Simbolizando o carinho
De tudo quanto se faz
Numa missão gloriosa
Muitas vezes milagrosa
Que supera até a morte
Numa inversão de valores
Acalentam nossas dores
Da saúde é o suporte.

Às vezes, também doentes,
Ainda vão ao serviço
E se sentem tão contentes
Num esforço arrojadiço
Correndo pra salvar vidas
Passam noites indormidas
Consolidando ideal
Na luta para salvar
Ou então amenizar
Aquele que passa mal.

Pela dor do desespero
Paciente é agressivo
Desconhecendo o trabalho
Sem conhecer o serviço
De quem lhe leva saúde
Na mais singela atitude
Para a doença curar
Nem sempre recompensados
Até mesmo maltratados
Com desejo de humilhar.

A luta hospitalar
No Brasil é complicada
Hospitais superlotados
E uma luta travada
Mais doente do que vaga
Pra enfermagem é mais carga
Num esforço concentrado
Com cenas horripilantes
Que assustam os visitantes
Sem política e resultado.

Prestamos nossa homenagem
Para os anjos do amor
Componentes da enfermagem
Com competência e valor
Que Deus lhes dê proteção
Pra maior dedicação
Na caminhada que salva
Sempre cumprindo o dever
Diminuindo o sofrer
Pois a nossa vida olhava.

sexta-feira, maio 11

ROGACIANO LEITE por Pedro Ribeiro

Estrela cintilante da constelação da poesia, Rogaciano Leite conviveu com a extraordinária safra na qual Domingos Fonseca despontava como a maior expressão do repente da época.
O congresso de cantadores realizado em Fortaleza, em 1948, projetara Domingos Fonseca para a imortalidade e foi exatamente nessa época em que Rogaciano Leite convivia com a fase de ouro do repente e o colocava num pedestal não inferior as estrelas do presente.
De uma formação cultural invejável, depois de ler Castro Alves, Gonçalves Dias, Fagundes Varela, Guerra Junqueiro, Cruz e Sousa e Olavo Bilac foi o suficiente para formar um manancial de invejável cultura poética.
No repente se bateu com os maiores astros do momento com destaque de Domingos Fonseca ao Cego Aderaldo. Nas cantorias que participava tinha pelos colegas o maior respeito.
O jornalista Carlyle Martins se refere a Rogaciano Leite com tanto entusiasmo que transcrevemos sua opinião para melhor análise dos nossos leitores.
“A Musa de Rogaciano Leite veste-se da seda brilhante e colorida das alvoradas e põe nos cabelos os grampos das estrelas e as fitas têm as tonalidades dos crepúsculos.
É ele um emérito improvisador, dizendo versos a propósito de tudo, como um verdadeiro perdulário da inteligência e da imaginação. Derrama cascatas de rimas com uma simplicidade e galhardia que faz a gente vibrar de emoção.
Seus versos ora têm marulhos de oceano, ungidos de tempestades, gritos de ventania, sonoridade de clarins; ora possuem claridade de luar, trinados de pintassilgos, amavios de graúnas, sons de cânticos de sinos, tatalar de asas de seda…”.
Na noite brilhante do Teatro José de Alencar que projetou o piauiense Domingos Fonseca, estava presente Rogaciano Leite, improvisador do maior respeito. Nessa mesma ocasião encontrava-se presente o desembargador Faustino de Albuquerque, governador do Ceará.
Não se sabe por que razão Diegues Júnior deu o mote: Desembargador Faustino / Barbalha lhe pede estrada.
Rogaciano Leite, como todo poeta, não se preocupou com a presença do mandatário cearense e glosou o mote:

“Pobre Barbalha há cem anos
Vive a indiferença exposta,
Se pede tem por resposta
Centenas de desenganos…
Seus filhos fazem mil planos
Porém se reduzem a nada,
De canavial cercada
Chora por seu descortino,
Desembargador Faustino,
Barbalha lhe pede estrada…”

Rogaciano não era apenas um improvisador respeitável e imbatível, mas um poeta dos mais admirados. Seu talento e glória o tempo não apaga e permanecerá em nossas memórias, relembrando as noites memoráveis de seus embates nos gemidos das violas ou na leitura de seus poemas inesquecíveis. Dentre eles vejamos “Ceará Selvagem”:

 Aqui por estas areias
Já correram muitos pés…
Estalaram muitos arcos,
Vibraram muitos borés…
Estes garbosos coqueiros
São fantasmas de guerreiros
Que o tempo não quis matar!
Estas palmeiras delgadas
São índias apaixonadas
Por homens brancos do mar!

Oh! Iracema formosa,
Deusa da raça praiana,
Teu colo emprestou perfume
Às águas de Mecejana!
Meruoca ainda delira…
Maranguape ainda respira
Fragrâncias do teu calor!
Teu pé trigueiro e pequeno
Sobre o rastro de Moreno
Deixou um cheiro de flor!

Oh! Quantos sonhos de virgem
Na tua alma caboca!
Quanto sabor de mangaba
Na concha da tua boca!
Teus braços eram roliços
Como os viçosos caniços
À margem fresca do rio…
Teus olhos eram brilhantes
Como os olhos faiscantes
De algum veado bravio.

Tua fileira de dentes
Exprimia tanta alvura
Como um rosário de estrelas
No colo da noite escura!
Tuas mãos eram pequenas,
Bonitas, quentes, morenas,
Macias como os arminhos,
E no vale dos teus seios
O luar tonto de enleios
Se desfazia em carinhos.

Os campos guardam segredos
Do teu corpo casto e nu,
Banhado na linfa clara
Da linda bica do Ipu!
Teu porte inda vive oculto
Na sombra meiga do vulto
Do coqueiro-catolé…
E a areia branca da praia
Ao cair do sol desmaia
Com saudade do teu pé!

sexta-feira, maio 4

Estrofe da Semana

Professores fazem greve
Alunado sem escola
Esperamos seja breve
Essa luta sem degola
Quem ganha super salario
Não enxerga proletário
E nem conhece razão
Não olham para o futuro
Eu afirmo, digo e juro
Que importa educação?

ENCONTRO DE GÊNIOS por Pedro Ribeiro

Antonio Marinho e Pinto do Monteiro foram figuras de maior destaque na constelação que iluminou a poesia nordestina, no passado, que o tempo levou.
Verso fácil e talento inigualável, ambos foram festejados pelos amantes do repente. Seja qual fosse o parceiro, a cantoria já recebia uma plateia especial e o encontro era aplaudido e comentado em toda região.
O difícil ao crítico, por mais conhecedor e profundo, é saber e distinguir qual o melhor, o mais profundo, o mais improvisador e de maior talento.
Nos incontáveis encontros que realizaram, enfrentando os maiores cantadores da época, tanto Marinho como Pinto, foram sempre destacados como os melhores.
A nova geração de repentistas ainda guarda o maior respeito e admiração pelas estrofes luminares que produziram.
Registramos, para conhecimento dos nossos leitores, um dos encontros dos gênios do repente:

P.-    Senhor Antonio Marinho,
É chegada a ocasião,
Pergunto, quero saber,
Responda se posso ou não,
Ir atravessar cantando,
Pelo seu Alto sertão.

AM. -    Pode seu Pinto, pois não!
Tocar, cantar por aí…
É filho da mesma terra,
Nasceu e criou-se ali,
Mas cuidado com as raposas,
Que há muitas lá, como aqui.

P.-    Aonde eu chego não há
Prazer que não me apareça,
Raposa que não se esconda,
Brabo que não me obedeça,
Letrado que não me escute,
Cantor que não endoideça.

AM. -    Pinto, quem canta comigo,
Faz exame e se confessa,
Eu zangado não abrando,
Mesmo que um santo me peça,
Se houver mais pinto apareça
Pois este eu pelo depressa.

P.-    A mim o fogo não queima,
Nem tosta e nem me sapeca,
Em mim quem botar a mão
Larga o couro da munheca,
Incha os dedos, cai as unhas,
Murcha os nervos, o braço seca.

AM. -    Para o meu lar sertanejo
Cantor que vem se arrepende,
Encontra os becos tomados,
Pra toda banda que pende,
E, ai do pinto que eu pegá-lo,
Só Deus como pai defende.

O desafio dos dois gigantes do repente prossegue em ritmo cada vez mais empolgante, deixando a plateia presente verdadeiramente empolgada. Pinto reinicia a porfia:

P.-    Marinho, onde eu passo deixo,
Qualquer uma estrada aberta,
Cantor tendo essa notícia,
Com medo de mim se aperta,
Deixa a casa, entra no mato,
E a meia noite deserta.

AM. -    Monteiro, Prata, Boi velho,
Mais São Thomé e, enfim,
Em São José do Egito

E o que mais pertence a mim,
Um galo até não se arruma,
Quanto mais um Pinto assim.

P.-    Eu chegando em São Thomé,
Acabo com aquela asneira…
Monteiro, Prata, Boi velho,
Um ano não tem mais feira
E se eu for a São José,
Chove pau, pinga madeira.

A peleja não se encerra e continua em tom desafiador, colocando os preliantes numa batalha cada vez mais renhida.

P. -    Não precisa tanto assim,
Vir grande, médio e miúdo,
Pois não convém chegar tudo,
Um pinto só lhe dá fim,
Bom, sofrível, e ruim,
Não precisa aparecer,
Vejo seu corpo tremer
Com as bicadas de um pinto
E pelo jeito eu já sinto
O senhor esmorecer.