Minha foto
Teresina, Piauí, Brazil
Associação dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí - Casa do Cantador. Fundada em 15 de outubro 1977. Espaço de relevância cultural no Piauí que funciona como Centro de Pesquisa e de apoio a violeiros e poetas populares de vários lugares do Brasil. Localizada na Rua Lúcia, 1419, Bairro Vermelha, Teresina - Piauí - Telefone: (86) 3211-6833 E-mail: casadocantadordopiaui@hotmail.com

quinta-feira, julho 21

Estrofe as Semana


Lá detrás do meu cercado
Nasceu um pé de angico
A casca cheia de bico
O pé por Deus aguado
O entrecasca escarnado
Como sangue de cristão
A madeira dar carvão
A casca vai pro curtume
Deus é quem bota perfume
Na madeira do sertão.
                        (Xudu)

EVOLUÇÃO DO REPENTE

        A cantoria atual sofre uma profunda modificação, em seu estilo e forma. No passado, a temática era simples e dirigida à vida cotidiana com destaque para louvação de pessoas e da própria natureza.
      As pelejas eram cantadas, usando estrofes em quadra com exceção dos martelos que já eram feitos em versos decassílabos, dentro das modalidades da época que utilizavam os versos martelianos em seis, sete, oito e nove e, os já afamados martelos agalopados.
        Entretanto, os pedidos de canções e poemas matutos ocupavam o primeiro plano na preferência popular.
     Os violeiros eram quase totalmente analfabetos, especialmente, porque a grande maioria não frequentou escola. A linguagem era simples e repleta de erros grosseiros.
      Apesar de todas as falhas, a cantoria do passado serviu de berço para o que de melhor está sendo produzido no repente.
       Com Domingos Fonseca, Dimas Batista, Manoel Galdino Bandeira e outros, o repente entra numa fase nova com a observância do idioma mais puro e a criação de novos estilos.
    Mais recentemente, a presença de novos gênios do improviso: Ivanildo Vila Nova, Moacir Laurentino, Sebastião da Silva, Edmilson Ferreira, Sebastião Dias, João Paraibano, Geraldo Amâncio, etc. o repente assume uma nova postura e, a temática social ganha a preferência das plateias.
      Os festivais são verdadeiros palcos de cultura, com apreciação e debate dos mais variados assuntos, quer de ordem local, quer de importância mundial.
      Na atualidade a chamada cantoria de viola parece ter conquistado sua fama, tanto que o repente extinto no planeta retorna aos palcos onde tudo havia desaparecido.
    Por outro lado, o ingresso do cordel nas universidades e o ensino do repente como um processo de aperfeiçoamento da mente constitui um fato novo e fundamental no aprimoramento do cordel e desenvoltura mental.
      O que está faltando é a inclusão do ensino do repente nas escolas como matéria oficial, o que daria mais impulso na criatividade do educando.
        Aliás, é fundamental enfatizar que as escolas que vêm utilizando o estudo do repente, o alunado atinge um maior e melhor aproveitamento.

por Pedro Ribeiro

quinta-feira, julho 14

MANÉ XUDU


Por mais que se escreva sobre o gênio de Pilar, Mané Xudu, não é possível esgotar o manancial que a memória guarda sobre um dos maiores repentistas que o Brasil conheceu e mantém nos arquivos da lembrança como verdadeira relíquia.
Os versos e o talento de Xudu invadiram o Nordeste com pelejas travadas com os melhores cantadores da época como: Ivanildo Vila Nova, Pedro Bandeira e muitos outros.
O público amante do repente promovia cantorias nas fazendas da região com a presença de Xudu e um convidado especial para desafiá-lo, nas pelejas que mediam a capacidade de cada um.
O imortal poeta Pedro Bandeira, eleito – Príncipe dos Poetas Populares – e temido entre os ases do repente da época, encontrou-se com Mané Xudu numa porfia que o tempo não apaga.
O príncipe dos Poetas Populares iniciou o embate assim:


PB -     Mas você não é romeiro,
             Nem comprador de pequi,
Nem carola, nem turista,
Ninguém lhe esperava aqui,
Sem eu lhe dar carta branca
Pra entrar no Cariri.

MX -     Eu vim porque conheci
Que havia necessidade
De conhecer os colegas
Que moram nesta cidade
E saber se o novo príncipe
Tem ou não autoridade.


PB -     Saiba que sou majestade
            No reinado da poesia
Você pra cantar comigo
Precisa ter fidalguia,
Nobreza, brio e respeito,
Honra e aristocracia.

MX -     Há tempo que conhecia
A forma do meu amigo,
Porém eu sou dos poetas
Que nunca temeu perigo
E só digo que um cabra canta
Quando ele canta comigo.

PB -     Você está no meu abrigo,
Se não quiser passar fome
Respeite o meu auditório,
Meu cetro e meu cognome,
Minha esposa e minha filha,
Minha platéia e meu nome.

MX -     Acho bom que você tome
O conselho que lhe dou,
Estou no seu auditório,
Mas seu escravo não sou,
Penetre em qualquer terreno,
Que se puder também vou.

PB -     O sangue do meu avô,
No meu sangue inda evapora,
Me dando idéia e talento
Entusiasmo e sonora
Pra rebater desaforo
De repentista de fora.

MX -     Com essa resposta agora
Sei que o jeito que tem
E eu lhe dar um acocho,
Que os ossos viram xerém,
Que canto há vinte e dois anos
E nunca perdi pra ninguém.

PB -     Eu nunca perdi também
E agora vou lhe provar
Que daqui a meia hora
Você começa a chorar,
Troca a viola em cachaça
E nunca mais fala em cantar.

MX -     É mais fácil se esgotar
O mar com uma peneira,
Bala de aço esmagar-se
Em tronco de bananeira,
Do que Manoel Xudu
Temer a Pedro Bandeira. 

segunda-feira, julho 11

Estrofe da Semana:


A tinta que o tempo bota
Sobre a cabeça da gente,
É uma que não desbota
Permanece eternamente.
Tem gente que compra tinta,
Bota no cabelo e pinta
Para nos causar enganos,
Mas é ilusão do povo
Depois sai cabelo novo
Com a tinta branca dos anos.

JOÃO FURIBA


João Furiba faz parte da grande constelação de violeiros que encanta o Brasil, pelo talento, criatividade e, sobretudo, pela maneira especial de envolver as plateias, quer nos imortais festivais que o tempo levou, quer nas cantorias de pé de parede que era imbatível.
João Furiba se projetou, no cenário cultural do Nordeste, pelo estilo, exclusivamente seu, de enaltecer-se rico e poderoso, numa autêntica e verdadeira fantasia que, embora hipotética, enriquece sua poesia que o projetou como – João Mentira.
Apesar do estilo próprio, João Furiba era respeitado pelos maiores talentos da poesia popular como: Pinto do Monteiro, Ivanildo Vila Nova, Lourival Batista (os Batistas), Mané Xudu e tantos outros.
Num duelo com Manuel Laurindo que enfatizou sua admiração pelo “Tigre da Mão Torta”, Furiba produziu uma das estrofes mais importantes de sua inesgotável coleção:

“Eu admiro é a barata,
 Saber voar e correr,
 Entra na lata de açúcar
 Bate um baião pra comer.
 O que come é muito pouco,
 Mas bota o resto a perder.”

Lourival Batista um dos maiores repentistas da época, considerado o rei do trocadilho, cantava com João Furiba em Afogados da Ingazeira/PE criticou Furiba porque se fazia acompanhar de sua esposa, terminando uma estância:

“Não gosto do homem que anda
 Com a mulher por toda sua.”

A resposta do João Mentira foi extraordinária, que eu o coloco entre os gênios do repente.

“Pra não fazer como a tua
 Que fica em casa sozinha,
 Entra homem pela sala,
 Sai homem pela cozinha,
 Eu como sou desconfiado
 Pra onde vou, levo a minha.”

Ivanildo Vila Nova herdara do pai José Faustino e era um verdadeiro assombro para os repentistas da região. Seu verso, às vezes, era massacrante contra adversários. Enfrentando João Furiba o desafiou:

“Já estou ficando velho
 De dar em cantor ruim.”

Furiba rápido como um relâmpago, sapecou:

“Teu pai também era assim
 E se dizia professor,
Tudo que lia decorava,
 Usava anel de doutor,
 Cantou trinta e cinco anos,
 Morreu sem ser cantador.”

Nos festivais de Teresina João Furiba deitava e rolava falando de sua riqueza. A plateia vibrava com as respostas de João sobre seu poderio econômico.
Cantando no festival de Teresina Moacir Laurentino interrogou:

“Me responda como vai
 Na criação de caprino.”

No modo de cantoria ninguém suplantava Furiba que deixava a plateia em delírio:

“Tenho quinhentos meninos
 Morando em minha choupana,
 Tratando da criação
 Com capim de gitirana
 Tem cabra que está parindo
 Duas vezes por semana.”




por Pedro Ribeiro